8º Valor – Unidade, Unanimidade e Intimidade

Paulo Manzini

“Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.4,5).

Que glória é essa que havia entre o Pai e o Filho antes que este encarnasse?

“Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade…” (Jo 17.22,23a).

Os textos acima me levam a concluir que a glória que havia entre o Pai e o Filho é um nível de unidade que vai além dessa palavra, pois a palavra unidade é fraca para expressar aquilo que o Senhor projetou para o seu Corpo. A unidade que é aquela ligação que o Filho tinha com o Pai antes da fundação do mundo (e também antes da sua encarnação) é a sua glória. Jesus fala dessas duas palavras – unidade e glória – como tendo o mesmo valor. A natureza da relação do Pai com o Filho é baseada em unidade. Infelizmente, como muitas palavras em português, a palavra unidade tem perdido o sentido pelo seu desgaste e uso banalizado.

A obra de Cristo reconquistou para nós a possibilidade de sermos UM, possibilidade essa que não existia antes que ele encarnasse. Por que não tínhamos unidade? Porque nós a perdemos no Éden. Quando Adão pecou, ele e a mulher esconderam-se, primeiro, de Deus e, depois, um do outro, cozendo roupas de folhas ao perceber que estavam nus.

A consequência do pecado é que nós (a humanidade, o ser humano) ganhamos um invólucro, impermeável e impenetrável, depois da queda. Não tinha mais jeito de nos comunicar eficazmente, nem de ser um. A grande tragédia nisso é que fomos criados para ser um; esse desejo está impresso na nossa natureza, no nosso instinto, no nosso DNA. Somos seres altamente atraídos uns pelos outros. Temos sede e fome de unidade. O ser humano natural e caído tem sede e fome de ser um. Romanos 3.23, diz: “…todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Do que eles foram destituídos? Da capacidade de ser um. O ser humano quer muito a unidade, mas não consegue porque está impedido pelo pecado. Não é apenas a igreja que deseja a unidade, mas o mundo também anseia por ela.

A unidade é um nível de ligação, mas há outro nível que é a unanimidade. Vejamos os textos abaixo para não ficarmos apenas na teoria:

“completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento” (Fp 2.2).

“Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer” (1 Co 1.10).

No texto acima, Paulo está falando de unanimidade e não de unidade. Nós já temos a unidade, porque, quando Jesus morreu, ele rasgou o invólucro que havíamos ganhado no Éden por causa do pecado. Temos uma unidade básica, pela cruz, que é o depósito inicial para abrir a nossa nova vida. Jesus fez o depósito e, por isso, já temos a unidade do Espírito. Com isso, nós, os que cremos, ganhamos o direito de ficar permeáveis e abertos a relacionamentos.

Mas Deus quer nos levar um passo além da unidade, para a unanimidade descrita nas passagens acima. Por exemplo, numa reunião grande, o ministro de louvor deve falar algo que o Espírito Santo esteja falando, deve discernir o som do Espírito que une a congregação num único som. Quando adoramos a Deus em uníssono, desfrutamos de unanimidade, além da unidade que já temos em Cristo. Esse é o momento em que sentimos o mover do Espírito Santo e estamos todos na mesma frequência. Isso é um tipo de unanimidade.

O presbitério local também precisa saber se tem unanimidade. Qualquer fator que peque contra a unanimidade no presbitério precisa ser trabalhado. Não dá para governar a igreja sem que haja unanimidade no presbitério. É importante que haja um credo, no qual todos creiam de verdade, juntos e firmes. Isso é unanimidade! Quando um irmão exerce o papel de sênior no presbitério, os outros devem ter unanimidade sobre a sua posição. Unanimidade é crer na mesma coisa, estar juntos no mesmo sentimento e na mesma disposição de pensamento, como diz Paulo.

Para o presbitério local, é importante desenvolver esse mecanismo, essa percepção de que está havendo unanimidade. Em Jundiaí, tivemos uma experiência nesse sentido. O Conselho, constituído de irmãos mais velhos, é responsável por verificar a visão da igreja, conferir se tudo está indo bem e para onde queremos ir. Ele se reúne frequentemente com os presbíteros de governo. Certa vez, enfrentou um problema, porque alguns pastores precisavam sair desse grupo. Eram nove homens decidindo coisas, e essa diversidade de opiniões estava emperrando o bom funcionamento da igreja. Era muito difícil chegar a um consenso; não conseguiam ser unânimes. Os quatro do Conselho estavam reunidos sem nenhuma intenção de conversar sobre isso, mas o assunto surgiu porque estávamos preocupados com a situação e não sabíamos como agir. Mas naquele ambiente de paz entre nós, Deus nos deu a solução em cinco minutos e nos encheu de alegria e paz. Mas como falaríamos que alguns irmãos não fariam mais parte do governo? Já que tínhamos convicção pelo Espírito Santo e unanimidade sobre a decisão, nós nos reunimos com os nove e comunicamos o que fora decidido pisando em ovos, preocupados com a reação deles. Mas, para a nossa surpresa, a reação foi de alegria mesmo por parte daqueles que aparentemente estavam sendo “rebaixados”. O que levou a esse resultado? Um grupo de homens, muito diferentes um do outro, concordou entre si com o que o Espírito Santo estava falando. Quando houve concordância, liberamos uma série de outras coisas que nem imaginávamos. Unanimidade é algo que vem do céu e ela vem porque a oração de Jesus está sendo atendida.

Jesus orou para que tivéssemos esse elemento da unidade nos ligando; para isso, o Espírito Santo foi liberado a todos nós. Esse entendimento em nosso meio começou quando John Walker reuniu um grupo de líderes e pediu perdão por ter pecado contra a unidade do Espírito. Ele disse: “Eu pequei porque queria que tivessem unidade da fé comigo e, por isso, eu dividi com vocês. Quero pedir perdão, porque feri a unidade do Espírito que eu deveria ter preservado”. Houve um momento de perdão entre nós e, a partir daí, a unidade do Espírito, paulatinamente, começou a crescer. Preservamos a unidade do Espírito quando andamos juntos independentemente das nossas diferenças. Entendemos com essa experiência que, se temos unidade no Espírito e nada de unidade na fé, ainda assim podemos ter comunhão uns com os outros, mas não podemos governar a mesma congregação.

A partir da unidade do Espírito, devemos tratar daquilo que nos traz unanimidade, aquilo que nos liga e nos une. Aos pastores que já estão funcionando como presbitério plural e ainda não pensaram sobre isso, dou-lhes o meu parecer. Reúnam-se, tomem café juntos, sentem-se ao redor de uma mesa, gastem tempo orando e depois se perguntem: “Quais as nossas certezas comuns?”. Se chegarem a três ou quatro certezas em comum, fiquem nisso e orem para que Deus os una em outras coisas. Vão estudando e entendendo o que Deus deseja; repassem a teologia, leiam os mesmos livros e conversem sobre as mesmas coisas porque o Espírito Santo os fará chegar a outros pontos comuns. Estabeleçam uma base comum para crescer a partir dela. Se tentarem unir-se, conversar e discutir com base naquilo em que ainda não têm concordância, os problemas vão crescer. Sejam unidos naquilo que concordam, façam uma base ideológica que dê paz ao coração de todos que dirigem a congregação. Quando se acertarem, façam uma aliança em cima disso. “Nós estamos de acordo? Vamos ser leais uns aos outros nessa base? Os irmãos têm coragem de ficar firmes?” Se têm coragem, então há uma base para crescer.

Falo essas coisas porque os pastores não têm dado muita atenção para pensar no que eles creem. É preciso pensar, pois como vão andar juntos e como vão pregar a respeito, por exemplo, da volta de Jesus? Deve haver concordância nesse assunto e em outros. Se eles concordam, vão declarar, proclamar e ficar unidos.

Por outro lado, temos sede e fome de intimidade. Jesus morreu também para que a tivéssemos. Ele ora em João 17 para que sejamos um, como ele e o Pai são um. Esse é um nível tal de comunhão no Espírito que a pessoa nem precisa falar nada, pois a outra já está sentindo o que ela sente. Isso deve acontecer, no mínimo, entre marido e mulher, um nível tal de intimidade que os dois podem sentir o tempo todo a mesma coisa e podem conversar para afinar esse instrumento a fim de que pensem da mesma forma sobre todas as coisas. Rosane e eu temos 42 anos de casados e temos algumas experiências nesse sentido. Toda vez que sentimos a mesma coisa, a mesma alegria, o mesmo sentimento e união de alma sobre qualquer coisa, isso se torna um ponto de ligação entre o céu e a terra, de verdade. O Espírito Santo se move poderosamente nessa ligação. Ela é uma ferramenta que Deus deu para começar na família, entre o marido e a mulher. Eles precisam ter essa intimidade porque, caso contrário, vão se sentir incompletos e vazios.

Falamos de três níveis: unidade, unanimidade e intimidade. As pessoas não vão, por exemplo, ao grupo pequeno querendo seguir uma rotina, mas querendo ter intimidade com as outras. Não dá para ter intimidade na reunião grande; nela podemos ter unidade e o Espírito pode gerar momentos de unanimidade, mas não é possível ter intimidade.

Não é possível ter intimidade com muitos irmãos. Há irmãos que estão na mesma frequência, mas isso pode mudar de época para época, de tempo para tempo. Porém, é algo que funciona. É normal ter mais vínculos com alguns irmãos do que com outros. Sou a favor das “panelas” na igreja, mas elas não podem ter tampas. Quando não são exclusivistas, são boas. Porque, na verdade, nós não aguentamos muitas linhas de relacionamento. Temos limites. Se um amigo, às vezes, pode estressá-lo, imagine quatro, cinco ou dez deles estressando você? Não dá. Emocionalmente você não vai aguentar. É preciso cuidar das suas emoções e dos seus níveis de capacidade de prestar atenção. Porque se é amigo, deve prestar atenção quando ele fala, pois pode ser que queira abrir o coração, chegar ao nível de intimidade a ponto de poder confessar suas falhas e seus pecados. Você deve depositar seus tesouros íntimos no coração de algumas pessoas, mas não consegue depositar no coração de todos. Se depositar na vida de alguém, um dia ele poderá abrir o coração com você porque sabe que o seu coração é dele.

Eu creio que Deus faz ligações entre as pessoas assim como fez com Jônatas e Davi. Deus tinha um propósito na ligação entre eles — ele estava providenciando o trono para Davi. A base do trono era uma amizade pela qual Jônatas sacrificou a sua vida. Ele deu o seu trono e a sua honra a Davi. E foi por causa disso que Davi se tornou rei. Se tirássemos Jônatas da história, Davi não teria o trono. Eu temo a Deus quando ele faz essas ligações. Há irmãos que têm fortes laços entre si na igreja e eu presto atenção quando isso acontece. Cuidado! Não mexa nisso, porque algo bom certamente sairá dessa ligação. Ligações produzem amizades e amizades produzem ideias e projetos comuns. Muitas missões e obras sociais surgiram como resultado da ligação que Deus faz entre pessoas que têm o Espírito Santo. Toda vez que Deus liga pessoas que têm o Espírito Santo, elas querem fazer alguma coisa para pregar o evangelho. Quando você vê muita panelinha que não quer pregar o evangelho, não quer fazer nada, pode saber que tem algo errado ali. Tem tampa nessa panela; tire a tampa, porque pode estar bichado!

Comentários: Paulo Manzini

* Em nossa vida pessoal, somente as coisas que foram iniciadas, primeiro em Cristo, têm valor. Ele é o Alfa e o Ômega!

* Muito mais do que mente e muito mais do que espírito, nós somos alma. Tudo o que acontece em nosso espírito é refletido em nossa alma, que tem sentimentos de amor, de amizade, de vínculos e necessidade de comunhão. A nossa alma é tomada por essas coisas, e isso vem do Espírito.

* De acordo com a oração de Jesus em João 17, devemos ser um, principalmente para que o mundo veja e creia que existem pessoas liberadas para ter unidade umas com as outras. As pessoas do mundo vão desejar essa intimidade, mas não conseguirão tê-la, porque para isso elas precisam primeiramente ser libertas por Jesus Cristo, lavadas pelo seu sangue e nascer de novo.

* Tudo começa, de fato, em Cristo; por isso, não tente fabricar unidade, mas aceite-a quando ela chegar.

* Se você anda sozinho e não consegue se ligar a ninguém, pergunte a Deus o que está acontecendo.

* Quando se tem confiança um no outro, podemos discordar sem problema. Quando todos concordam com tudo o tempo todo, algo está errado.

* Unidade não tem uma finalidade em si, mas é uma consequência. Quando você se converte ao Senhor, fica predisposto à comunhão, à unidade e à intimidade.

* Unidade também é consequência do nosso relacionamento com Deus. À medida que amadurecemos no nosso relacionamento com Deus, ficamos mais abertos e mais permeáveis à unidade, e, consequentemente, mais apaixonados pelas causas de Cristo.

* A unidade é a consequência e o meio de Deus alcançar o seu propósito.

* Toda vez que um irmão tem problema de relacionamento com Deus, ele também tem problema de relacionamento com a igreja. Ao quebrar o relacionamento vertical (com Deus), ele começa a ter problema no relacionamento horizontal (com os irmãos), e isso atinge o ambiente da igreja.

* À medida que oramos mais e somos disciplinados pelo Senhor, nós nos tornamos mais abertos e acessíveis aos irmãos. O resultado disso é que as pessoas começam a perceber o amor de Deus em nós. Isso é evangelismo! Porque unidade que não provoca a atração do mundo não é nada.

* Se você vive o primeiro mandamento (amar a Deus sobre todas as coisas), a consequência é imediata: você amará o próximo — não só o próximo da igreja, aquele que lhe faz bem, mas qualquer próximo, inclusive o inimigo.


Harold Walker

* Deus não nos une tirando a nossa identidade, porque ele valoriza as nossas diferenças. De acordo com a Bíblia, nós não somos um “purê de batatas”, mas somos o Corpo de Cristo. No corpo, cada órgão é diferente dos demais, tem carisma e identidade diferente.

* Da mesma forma que cada membro do Corpo é diferenciado pelos seus dons especiais, cada comunidade também tem a sua identidade, mas, quando se reúnem (em conferências ou projetos comuns), sentem-se muito bem uma com a outra.