4º Valor – Igreja Centrada no Evangelho

Ângelo Bazzo

Um dos valores comuns da igreja deve ser o evangelho do reino. Porém, nem toda igreja é centrada no evangelho mesmo que tenha atividades de evangelismo e pregações do evangelho a cada semana. Igreja centrada no evangelho é aquela que possui as implicações da mensagem como molde de tudo o que é e faz. O evangelho é uma mensagem que tem uma ideia, um pensamento.

Será que podemos afirmar que praticamos uma vida de igreja moldada numa mentalidade do evangelho? Por exemplo: como o discipulado ocorre? Ele é focado em algo que a pessoa deve fazer ou no que Cristo fez? Como você discipula alguém – focando na mudança do seu comportamento e da sua vida? Isso não é um discipulado centrado no evangelho, pois os “Vigilantes do Peso” também visam à mudança de vida. Nesse caso, você não precisa de Jesus, mas de um coaching (treinamento ou instrução).

Discipulado centrado no evangelho significa mostrar o evangelho para a pessoa que está sendo discipulada, isto é, ensiná-la a ter fé em Jesus com relação a determinada área da sua vida. Se o que nós chamamos de discipulado é apenas o ensino de princípios que o não crente consegue viver, esse não é o discipulado centrado no evangelho. Os crentes vivem o evangelho porque têm o Espírito Santo, mas os não crentes não conseguem vivê-lo porque são destituídos dele. Sem o Espírito Santo, é impossível viver o evangelho.

A maneira como lidamos com a formação da família e criação de filhos, por exemplo, é focada na conformação moral ou na conversão pessoal? A pergunta é: no processo da criação de filhos, nós gastamos mais tempo em quê? Estamos mais focados em fazer com que a criança seja aprovada na escola, que vá para a faculdade no futuro ou que se converta? Você está centrado naquilo com que gasta mais tempo. Estamos ensinando às nossas crianças a decorar versículos ou a arrepender-se dos seus pecados? Não que decorar versículos seja ruim (isso a levará a ser moralmente correta e a ser um bom cidadão), mas, ainda assim, poderá passar a eternidade no inferno.

A maneira como gastamos o nosso dinheiro reflete um coração missionário resultante do evangelho ou um coração focado na estrutura para manter o programa funcionando? Lembre-se: o evangelho é uma mensagem que deve ser levada a lugares onde nunca tenha sido ouvida. Quanto do seu dinheiro tem sido investido nisso ou quanto você é engajado nesse projeto? Isso mostra se você é centrado no evangelho ou não.

Se você pregar sobre Abraão (Gn 22) e um judeu não convertido ouvi-lo e sair concordando porque a sua pregação é parecida com a do seu rabino, você não pregou o evangelho. Pregar princípios do Velho Testamento sem que estejam relacionados com “Cristo, e esse crucificado” (1 Co 2.2), não é pregar o evangelho. Ensinar sobre Gênesis 22 não é pregar o evangelho; porém, se ensinar, a partir dele, que existe um Deus bom que perdoa os pecados de quem não merece ser perdoado (antes merece ir para o inferno), que o reconcilia com Cristo e agora ele pode receber o Espírito Santo, isso sim é pregar o evangelho. Toda pregação que se preze tem uma aplicação prática na vida das pessoas, ou seja, dá a receita, os ingredientes, mas também ensina a fazer o bolo. Chamar à frente as pessoas, no final da pregação, a fim de que elas confiem, obedeçam e entreguem tudo a Deus, como fez Abraão, não é pregar o evangelho. Se a pessoa for à frente e entregar tudo, estará superconfiante na sua entrega. Mas se sua pregação a fizer entender que de si mesma nada pode fazer porque é pecadora, mas que Jesus morreu em seu lugar recebendo a condenação por seus pecados, aí sim, nessa base, crendo em Cristo Jesus, ela estará habilitada a entregar tudo.

Existem três princípios para que a sua igreja seja centrada no evangelho.

Primeiro princípio: pregar o evangelho uns aos outros.

Pregar o evangelho uns para os outros é fazer com que as nossas conversas informais sejam um meio de lembrar-nos, continuamente, do evangelho. A Bíblia ensina que nós nascemos de novo e temos vida por causa do evangelho. Se, apesar de nascido de novo, o resto da minha vida cristã for baseado em outros princípios (criação de filhos, moralidade, dar o dízimo, não ver pornografia etc.), o fundamento da minha vida será o mesmo do islamismo. Lutero disse que o evangelho não é o ABC, mas o A-Z da vida cristã. TUDO é pelo evangelho! Tudo o que acontece é pela fé, mas ela não vem de simplesmente ouvir a Palavra, mas de ouvir a Palavra de Cristo. A fé não vem de simplesmente ler Êxodo, por exemplo; ela vem quando o lemos entendendo que o Messias crucificado tem a ver com ele. É Jesus que faz a vida nascer no nosso coração e, assim, promovemos conversas com os outros sobre o evangelho.

Conversar sobre o evangelho não é conversar sobre um novo aspecto de determinado versículo ou sobre genealogias, pois o evangelho não é um estudo bíblico. Conversar sobre o evangelho é repetir, continuamente, a mesma história. A história do evangelho não muda, o que, às vezes, torna-se um problema para muitos de nós. Pelo fato de a mensagem parecer cansativa, tentamos inová-la. Mas Deus decidiu, por algum motivo, que quando contamos a mesma história, o Espírito Santo vem e não precisamos inventar ou acrescentar nada novo. Repetidamente, devemos falar que não prestamos; que Deus é santo e que, apesar de merecermos o inferno, o seu Filho graciosamente recebeu toda a condenação em nosso lugar na cruz. Ele ressuscitou para não morrer mais, e agora devemos arrepender-nos de nossos pecados e confiar nele. Ao dizermos isso, o Espírito Santo vem. Nada que falamos uns aos outros, mesmo que seja baseado em um texto bíblico, deve ser dissociado do evangelho. Quão valioso é o testemunho de alguém que, não conseguindo perdoar, lembrou-se do evangelho e teve vitória em relação ao perdão!

Discipulado é conversar com as pessoas, não sobre o sexo em si, por exemplo, mas sobre como o evangelho molda o sexo e tantos outros dilemas da vida. Por meio da exposição de textos bíblicos, você pode aplicar o evangelho às áreas da vida de alguém que apresentem dificuldade. Aplicar o evangelho significa dizer à pessoa que ela está errada, mas que Jesus morreu por isso e agora ela está habilitada pelo Espírito Santo a confiar e receber a transformação na área problemática da sua vida.

Segundo princípio: proclamar o evangelho para criar uma identidade missional.

No mundo, na nossa cultura, a identidade vem da atividade. Eu faço; logo sou alguém! No evangelho não é assim; nele recebemos a identidade como dádiva. Cristo morreu por mim; logo eu sou dele, isto é, eu sou de Cristo, sou santo e salvo. Isso significa receber uma identidade como dádiva.

“Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de propriedade exclusiva de Deus, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.”

(1 Pe 2.9)

Em outras palavras, esse texto quer dizer que não somos missionários porque fazemos missões, mas fazemos missões porque somos missionários. Existe uma identidade fundamentada e depois uma ação a partir dela. Mas isso só vai acontecer pelo evangelho. Ele é o anúncio da mensagem, e a sua natureza é que molda o comportamento. Todos os que creem no evangelho são missionários. Só há duas opções: ou você é campo missionário (deve converter-se), ou você é missionário no campo (deve pregar para que outros se convertam).

Terceiro princípio: proclamar o evangelho no dia a dia.

Podemos chamar a palavra ou a pregação do evangelho de “as obras do evangelho”. Mas não há melhor método de evangelismo do que VIVER o evangelho — viver de tal forma que o reflita.

Talvez você não conheça as quatro leis espirituais nem saiba como conduzir uma pessoa a Cristo, mas o seu estilo de vida mostrará aquilo em que você crê, e suas palavras vão surtir efeito. Isso é proclamar o evangelho no dia a dia.

Em sua epístola, Pedro fala sobre estilo de vida, sobre proclamar e glorificar o nome de Deus. Na sequência, porém, fala sobre política (obedeça ao rei), sobre trabalho (escravo deve submeter-se ao senhor) e sobre relacionamento conjugal (a esposa submeter-se ao marido e este amar a sua esposa). Pedro entende que o modo de vida é o meio de transmissão do evangelho. Isso quer dizer que o seu chamado missionário é ser você mesmo aonde quer que vá (ao barbeiro, ao supermercado etc). Pedro não disse que é preciso começar algo diferente para se tornar um missionário, mas é preciso ter um estilo de vida diferente onde estiver. Esse estilo de vida deve ter uma intencionalidade missional, ou seja, não passar correndo pelas pessoas, mas ter a intenção de pregar-lhes o evangelho. Há diferença entre intencionalidade e amizade evangelística. Esta visa apenas a fazer da pessoa um prosélito para a “minha” religião. Intencionalidade, por outro lado, é você ter algo para dar à pessoa. O evangelho é a melhor coisa que você tem e, por isso, quer passá-lo adiante. Se você tem oração constante em sua vida, se tem intencionalidade de fazer missões e um estilo de vida que testemunhe o que você é — você tem tudo. Viva o evangelho onde estiver e ore para que Deus abra as portas a fim de que pessoas sejam alcançadas por seu intermédio.

Quais são suas atividades no dia, na semana e no mês? Quantas dessas atividades podem tornar-se atividades comunitárias? Junte-se a outros irmãos, por exemplo, para fazer um passeio, ir ao supermercado ou fazer qualquer outra atividade listada em sua agenda. E por que não incluir nessas atividades um amigo ou conhecido que ainda não crê no evangelho? Aproveite e converse com ele sobre o evangelho. Não estou falando do evangelismo tradicional que pode ser traduzido em: “Você está errado e eu estou certo, por isso vou lhe ensinar”. Não! Estou falando de conversar, conversar e conversar. Isso é a sua vida, é você! Convide, por exemplo, irmãos da igreja e também não crentes para ir à sua casa e assistir ao próximo campeonato de futebol. Isso é atrativo, quem não gostaria? Juntos ali, vendo o futebol, você terá oportunidade para conversar, tendo sempre o evangelho nos lábios. Você não se esconde nem força a barra, mas continua sendo você mesmo, orando e tendo intencionalidade missional. Agindo assim, é provável que comecemos a ter o evangelho como meio de moldar a nossa própria maneira de ser e não apenas um evangelismo ocasional.

O propósito de muitas igrejas consiste somente em ser igreja, e isso é a melhor forma de nunca ser igreja de fato! Se o alvo de uma comunidade é ser uma comunidade, seus membros são centrados em si mesmos e nunca no evangelho. Dietrich Bonhoeffer, em seu livro Comunhão, disse: “A comunidade cristã não é um ideal que nós devêssemos realizar”. Em outras palavras, eu não tenho de fazer a igreja acontecer. Não! Ela é uma realidade criada por Deus, em Cristo, da qual nós podemos fazer parte. Se reconhecermos, com clareza, o fundamento, a força e a promessa da nossa comunhão somente em Jesus, aprenderemos também a pensar, orar e esperar por essa comunhão. A igreja não é algo que fazemos, mas é algo que Deus nos dá pelo evangelho. Quanto mais focados no evangelho estivermos, mais conversaremos sobre ele e mais a igreja surgirá como resultado disso. Do contrário, você tornará as palavras “comunidade” e “comunhão” uma espécie de “porrete” para bater no outro que não atendeu às suas expectativas de igreja. A verdadeira igreja é aquela em que o evangelho lhe proporciona algo, pois ela é exatamente aquilo de que você precisa para ser conformado a Jesus Cristo.