Há necessidade de que a igreja possua estruturas, moldes e organização. As estruturas são criadas a partir dos valores, ou seja, os valores definem as estruturas. Por isso, antes de estabelecer a estrutura, é necessário ter clareza dos valores. A grande comissão é um dos valores que não são propriamente nossos, mas de Deus, do seu reino e da sua Palavra. Por vezes, promovemos estruturas que impedem o cumprimento da grande comissão, uma vez que elas não empoderam as pessoas com a mentalidade de cumpri-la.
Por essa razão, sinto a necessidade de criar na igreja local uma estrutura moldada pela grande comissão, assim como ela é centrada no evangelho. Se o evangelho é o centro da igreja, a grande comissão é a estrutura externa que deve moldá-la, porque a natureza do evangelho implica em que ele seja proclamado. Notícias só são notícias quando proclamadas. O evangelho só é considerado evangelho à medida que o escuto e proclamo para que outros se alegrem também com ele. Então, a natureza óbvia do evangelho é a sua proclamação. Gosto de falar que o evangelho não é um ensino sobre como podemos ser salvos, mas é a notícia de como Deus está nos salvando. Sendo assim, nossas estruturas precisam ser menos voltadas para o ensino e mais para a anunciação, a fim de que possamos capacitar as pessoas para a grande comissão.
“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações…” (Mt 28.19a) Esse versículo não é um mandamento, mas um cumprimento.
Em Lucas 24.46,47, Jesus disse: “Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém”. Percebe o que ele disse? “Está escrito!” Ele fala da sua morte, ressurreição e que em seu nome isso seria pregado a todas as nações. Veja que a ressurreição está ao lado da proclamação, numa mesma frase, fazendo-nos entender que tanto a proclamação quanto a ressurreição são o cumprimento daquilo que os profetas haviam dito. O que eles haviam dito? “Abraão, sai da tua terra, sai do meio dos teus parentes, vai para a terra que eu te mostrarei e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Desde o início, Deus está pensando e trabalhando com nações; ele trabalha para abençoá-las a fim de que retornem à posição inicial de Gênesis 1 e 2: “Sejam fecundos, multipliquem e dominem a terra”. Esse é o plano da redenção!
O fato de Deus ter uma missão (um plano de redimir todas as coisas) significa que nós devemos estar inclusos nela. Por isso, não podemos criar uma estrutura baseada apenas em pastoreamento, simples ensino e nem mesmo no profético. A estrutura precisa ser apostólica, e a essência do apostólico é um estado de envio. O Pai enviou o Filho (João 5), e o Filho se percebe como alguém que faz o que faz porque foi enviado. A comunidade precisa se enxergar como enviada por Deus para a sua cidade. É óbvio que devemos ajudar missões em outros lugares, mas é preciso gerar uma percepção na comunidade de que ela está em estado de envio. Assim, estar no trabalho já não é algo sem sentido, é o envio; fazer uma faculdade não é mais sem sentido, é o envio; ter um vizinho não é mais ter um vizinho, mas é seu campo missionário.
O evangelismo na igreja teve pelo menos três fases.
1ª As cruzadas – Billy Graham, por exemplo, vai a uma cidade, e muitos são evangelizados. Esse era um meio de cumprir a grande comissão.
2ª Treinamento – Aconteceu, com o passar dos anos, quando as cruzadas diminuíram. Ensinava-se, por exemplo, sobre as quatro leis espirituais e como as pessoas deviam evangelizar.
3ª Cursos – Exemplo: Curso Alfa. O não crente era levado a esses cursos e lá tinha um encontro com Deus e se convertia.
Esses métodos, apesar de terem sido bons, não mobilizavam toda a igreja para o evangelismo. Sempre era uma pessoa, uma equipe ou um lugar, mas não o Corpo todo participando.
Como criar estruturas que envolvam toda a igreja no evangelismo? Primeiramente, é preciso apresentar a ela uma teologia prática do evangelismo. Em outras palavras: como eu relaciono a Palavra com a minha vida no dia a dia? Em segundo lugar, é preciso ter uma comunidade de ministério para pessoas não ordenadas, mas que tenham ministérios considerados importantes. E, em terceiro lugar, ter uma cultura de inclusão. Na igreja primitiva, ninguém foi treinado para apresentar o evangelho. Eles simplesmente estavam lá.
Como podemos, a partir do evangelho, considerar que todas as pessoas na congregação local podem se tornar naturalmente evangelistas e como ensinar isso para a igreja? O pastor deve fazer a sua igreja engajar-se no evangelho, a pensar na natureza e nas implicações do evangelho. O que o evangelho faz? Se eu entendo que fui salvo pela graça, então o evangelho elimina o meu orgulho e o meu medo. Por isso, não me preocupo em ser rejeitado, insultado ou considerado fanático ao proclamá-lo. Reconheço que fui salvo pela graça porque sou tão ruim que nem me salvar eu consigo. O evangelho me leva a uma atitude de humildade diante das outras pessoas. Não preciso mais ter medo de proclamá-lo nem ter uma atitude altiva diante das pessoas, querendo vencê-las com argumentos e protegendo a minha imagem. Esses são os resultados do evangelho ter quebrado o elemento de orgulho em mim. Ensinar isso para a igreja a levará gradualmente à humildade e, consequentemente, poderá abordar graciosamente um não crente no seu dia a dia. A igreja não precisa ter medo de ser humilhada porque Jesus foi humilhado; mesmo sendo Deus, não se apegou a isso e se tornou homem. Ao descer tanto, ele se tornou o nosso maior exemplo.
Além de eliminar o orgulho e o medo, o evangelho também elimina o pessimismo. Jamais devemos desanimar e pensar que alguém não pode ser alcançado. Todos têm o coração duro até que as boas novas venham eliminar essa dureza. A única base de alguém ser salvo é a ação de Deus pelo evangelho.
O evangelho também tira de nós a indiferença. Tenho um amigo que odiava os pais por ter sido maltratado por eles na infância. Esse sentimento o acompanhou depois de convertido e, por isso, ele não orava pela conversão deles. No caso, isso é errado e triste. Mas nós devemos amar as pessoas e compartilhar com elas o que temos de melhor. E o que temos de melhor senão o evangelho? Porém, é possível passar o ano todo conversando com a sua igreja e, mesmo assim, não ver a sua vida moldada para cumprir a grande comissão. Não dá mais para ser assim! Não dá mais para ser indiferente e passar pelas pessoas sem proclamar o evangelho. Paulo se sentia um devedor, e nós não?
Nem todos vão sair pregando por aí, mas há aqueles que têm uma espécie de ministério informal na igreja. Eles alcançam vidas no dia a dia, nos encontros casuais com as pessoas. Nesse tipo de ministério, não se deve consultar em todo momento a opinião da sua liderança e pedir-lhe autorização. Nem tudo precisa passar pelo “cajado” do pastor. A liderança deve discernir se existe uma dependência exagerada e fazer a pessoa entender que está liberada para agir. O pastor ou a liderança pode marcar para conversar com essa pessoa uma vez por mês, por exemplo. Ela não precisa de treinamento, porque já sabe o que fazer, mas de incentivo e de uma palavra de apoio como: “Eu acredito em você”. O treinamento pode não ser bom nesse caso porque a tendência é treiná-la a fazer exatamente o que nós faríamos. Em vez disso, converse com ela sobre o evangelho e a missão cristã. Assim, os valores missionais do evangelho vão moldar o que ela vai fazer. No mais, deixe-a fazer e inventar seu próprio modo de agir no ministério. Não queira dar-lhe tudo!
Há também o que chamamos de ministério voluntário. Ele atua fora dos cultos, encontrando pessoas e trabalhando com elas informalmente. A característica desse ministério é ser orgânico, relacional, centrado na Palavra e ativo. É a pessoa leiga que toma a iniciativa de alcançar outras pessoas. Ela não é forçada pelo pastor a fazer isso, pois é algo com que ela própria está sonhando. Cabe a você, pastor, injetar-lhe ânimo e ensinarlhe integridade, e não novas técnicas de evangelismo.
Existem dois problemas na integridade contrários um ao outro: 1) o crente relacional que ama a Deus e fala do evangelho, mas que só tem amigos dentro da comunidade cristã; 2) o crente muito relacional fora da igreja, mas com a fé privada (ninguém sabe que ele é cristão). Esses tipos de pessoas não fazem diferença alguma. Descobri que o melhor método de evangelismo é falar a verdade onde quer que estejamos. Ao ser questionado pelos colegas de trabalho sobre o seu fim de semana, por exemplo, a pessoa pode falar sobre o retiro e o que ela aprendeu sobre o perdão. Compartilhar a verdade acaba tornando-se um testemunho, porque a pessoa fala com simplicidade sobre uma coisa real que aconteceu. A pessoa íntegra não faz um teatro com a sua espiritualidade, mas a torna pública.
Pedro cita três áreas nas quais a espiritualidade afeta a vida pública: na política, na família e no trabalho. Por isso, você não deve limitar a sua espiritualidade à esfera privada. Nossa relação com a política, com os líderes da nação, deve ser o que a Bíblia diz: honrar ao rei e aos governantes. A maneira como você se relaciona com as autoridades vai falar muito àqueles que estão à sua volta. Isso é evangelismo! Suas obras, sua integridade, são evangelismo.
Sugestão de como fazer uma cultura inclusiva na igreja na pós modernidade:
Primeiro nível – Eventos que não sejam do tipo evangelístico e que sempre terminem com: “Quem quer se converter, venha à frente!”. Afinal de contas, nenhum pecador quer se converter.
É preciso criar uma cultura em que as pessoas tenham contato com você sem ser pela “amizade evangelística”. Esse tipo de amizade diz: “Não quero ser seu amigo, quero apenas levá-lo à minha igreja. Por isso, vamos jogar videogame na minha casa para eu ganhar a sua vida”. Não! Antes, seja amigo de verdade e seja verdadeiro com as pessoas sobre a sua fé. Caso promova alguns eventos, que não haja confrontos evangelísticos, pois é o testemunho de vida que importa naquele momento. Um evento de música (não evangélica), por exemplo, pode mudar o conceito das pessoas sobre os cristãos: “Eles também gostam de boa música”.
Segundo nível – Reuniões que promovam um valor cristão, mas que ao mesmo tempo interfiram na realidade. Como os Narcóticos Anônimos (NA), por exemplo, você não vai lá para pregar; vai para se reunir e conversar com as pessoas sobre drogas. Irmãos podem estar presentes, mas não para evangelizar.
Terceiro nível – Grupos de interesses comuns. Por exemplo, um grupo de mães para falar sobre amamentação; um clube de livros; etc.
Quarto nível – Grupos de discussão sobre o cristianismo que possam ser feitos no ambiente dos não-cristãos, não no nosso. Nesse ambiente, pode haver palestras com temas definidos como: “Se Deus é bom, por que o sofrimento existe?”. Esse é um tema que todo mundo questiona. Esse grupo é apenas para uma compreensão filosófica do evangelho.
Quinto nível – Grupos de interesse para ler, estudar e discutir, por exemplo, o livro Cristianismo Puro e Simples, de C.S.Lewis.
Sexto nível – Uma apresentação mais fiel do evangelho.
Não é necessário passar por todos esses níveis, mas são sugestões de como apresentar o evangelho ao mundo pós moderno. Esse processo pode ser trabalhado, por exemplo, com alunos universitários e é uma das maneiras de cumprir a grande comissão na pós-modernidade.